AS PORTAS QUE ABRIL ABRIU

Ora passou-se porém

que dentro de um povo escravo

alguém que lhe queria bem

um dia plantou um cravo.




Era a semente da esperança

feita de força e vontade

era ainda uma criança

mas já era a liberdade.




Era já uma promessa

era a força da razão

do coração à cabeça

da cabeça ao coração.

Quem o fez era soldado

homem novo capitão

mas também tinha a seu lado

muitos homens na prisão.




Esses que tinham lutado

a defender um irmão

esses que tinham passado

o horror da solidão

esses que tinham jurado

sobre uma côdea de pão

ver o povo libertado

do terror da opressão.




Não tinham armas é certo

mas tinham toda a razão

quando um homem morre perto

tem de haver distanciação

uma pistola guardada

nas dobras da sua opção

uma bala disparada

contra a sua própria mão

e uma força perseguida

que na escolha do mais forte

faz com que a força da vida

seja maior do que a morte.




Quem o fez era soldado

homem novo capitão

mas também tinha a seu lado

muitos homens na prisão.




Posta a semente do cravo

começou a floração

do capitão ao soldado

do soldado ao capitão.




Foi então que o povo armado

percebeu qual a razão

porque o povo despojado

lhe punha as armas na mão.




Pois também ele humilhado

em sua própria grandeza

era soldado forçado

contra a pátria portuguesa.




Era preso e exilado

e no seu próprio país

muitas vezes estrangulado

pelos generais senis.



Capitão que não comanda

não pode ficar calado

é o povo que lhe manda

ser capitão revoltado

é o povo que lhe diz

que não ceda e não hesite

- pode nascer um país

do ventre duma chaimite.


Poema de José Carlos Ary dos Santos

Julho - Agosto 1975. In 'José Carlos Ary dos Santos - Obra Poética'

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